Imagens e significados: o "Meme"

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Quanto mais praticamos a leitura e a escrita, mais palavras se tornam símbolos. Estes nada mais são que formas de imagens, signos por assim dizer. Uma placa "Pare" não exige que você saiba ler o que está escrito ali e, sendo assim, manifesta uma qualidade muito particular da cognição humana que é a nossa afinidade quase natural para com símbolos. O "Pare" transmite, como um todo, uma mensagem que é interpretada por nosso sistema nervoso central de uma forma muito peculiar.



Mas Davi, porque esse papo tão complicado?

Primeiro: não é complicado, só não é um assunto que nós discutimos casualmente no dia a dia. As nossas habilidades cognitivas são assunto quando alguém se mostra muito brilhante ou em algum caso patológico, mas raramente alguém realmente presta atenção sobre nossas habilidades de aprendizado. Afinal de contas nós saltamos de uma sociedade puramente agrária para uma capaz de chegar a Lua em pouco mais de um século e meio.

Segundo: neurociência é legal e você deveria se interessar também.

Imagens são informações e nosso cérebro, como nenhum outro sistema nervoso presente na natureza, é capaz de processar informações com uma excelência absurda. No entanto a forma que nós lidamos com informações acaba dependendo de um conjunto de fatores, principalmente relacionados, hoje, ao grau de alfabetização de uma sociedade.

Ler é, para todos os efeitos, essencial. A complexidade de uma cultura se torna exponencial a medida que as práticas de escrita e leitura se tornam mais e mais utilizáveis. Em "A Galáxia de Gutenberg", Marshall McLuhan, um educador canadense, discorre sobre o avanço da alfabetização no Ocidente e como isso facilitou a transformação da sociedade Europeia.

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Imagens são praticamente universais. Elas essencialmente exigem de nós algo muito primitivo de nossos cérebros e, portanto, quase sempre "uma imagem fala mais que mil palavras". McLuhan considera que sendo a linguagem humana essencialmente dependente de signos, quando a lingua escrita tomou forma ela possibilitou uma nova forma de cognição, algo que pode ter ajudado diretamente na formação e aumento da complexidade das sociedades do Velho Mundo.

Noam Chomsky e seu "Knowledge of Language" meio que não discorda disso, sabem? Chomsky identificou no cérebro humano a capacidade final que define a linguagem para nossa espécie. Isso, inclusive, viria por dividir as linguagens de forma definitiva uma vez que finalmente se percebeu que um ser humano não apenas fala, mas também lê, escreve, interpreta e constrói signos de linguagem. Temos, então, que ler e escrever acessam partes distintas do cérebro, bem como ver e falar.

McLuhan parece estar certo. A escrita nos trouxe uma transformação completa na forma de organizar nosso conhecimento, e aparentemente até nos capacitou a ir além de nossas habilidades então "primitivas". Cidades, invenções, guerras, religiões, quase tudo que o ser humano criou através da abstração acabou sendo elaborado graças a escrita e a leitura. 

Mas aí o século XXI vem, e vem com tudo...


O meme praticamente surge com a internet, ainda que o "nome de batismo" seja muito anterior (graças ao trabalho de Richard Dawkins em biologia evolutiva, ainda na década de 70). O "Meme" é uma ideia que transmite, fundamentalmente falando, uma mensagem capaz de criar tanto humor, quanto um sentimento de interpretação imediata. Imagem e escrita são unidas (muita das vezes imagem e som, ou somente imagem) de forma a transmitir de forma eficaz aquilo que tem por objetivo tratar por assunto.

Muito mais que humor, o meme transmite informação, e em uma quantidade suficiente de signos para gerar interpretação. É a forma definitiva de comunicação na Era Digital. Direta, rápida, concisa e compacta. O meme não é limitado, só exige uma gama de chaves para sua decodificação eficaz, não muito diferente da linguagem acadêmica...

No artigo "O Uso dos Memes Nas Aulas de História", Luísa Quarti Lamarão considera que o ensino como ciência e metodologia está passando por transformações fundamentais. A mudança na forma como estudantes passaram a lidar com informação trouxeram uma nova exigência para o sistema educacional.

Tendo em vista que a educação no Brasil teima em manter as estruturas do final da década de 60, temos muito a considerar se levarmos em conta a possível "crise" de cognição que o meme traz. Claro que, não por culpa dele em si, o meio (meme) não é culpado pelas insuficiências do sistema, mas estas vem trazendo a tona problemas difíceis de se lidar quando percebemos as conjunturas.

Pode-se listar os problemas clássicos de cabeça: falta de infraestrutura, de preparo técnico por parte do corpo docente, de acesso técnico por parte do corpo discente e por aí vai... Mas existem umas inverdades nessa lista. O meme é uma linguagem e independe do acesso, mas sim da exposição. O jovem contemporâneo é bombardeado por memes a partir do momento que é introduzido no mundo das redes sociais, independente de qual. Mainstream ou não.

Maria Alice de Souza, em um outro artigo, "Memes de Internet e Educação: uma sequência didática para as aulas de História e Língua Portuguesa" apresenta uma proposta muito feliz: a instrumentalização completa do meme. Torna-lo material de estudo e acesso para "traduzir" as linguagens e viabilizar a interpretação.

Portanto, para se tornar um instrumento nas mãos de qualquer educador, o meme precisa ser compreendido como é, em sua totalidade. Não é apenas uma questão de ser engraçado ou não, ele precisa estar dentro do conjunto de signos interpretáveis naquele momento uma vez que o meme é necessariamente efêmero.

Por exemplo:

É necessário que o interlocutor saiba que a imagem vem do desenho "Pica Pau"? Não necessariamente, uma vez que quando um meme ganha fôlego ele se sustenta por si. No entanto o "fôlego" de um meme é definido pela sua capacidade de ser utilizado múltiplas vezes em diversos contextos, mas mantendo sua mensagem.

Por sua vez temos o Brexit, que é um assunto muito recente e com fôlego para durar décadas quanto a relevância. As discussões sobre a saída do RU da UE vão para além do meme e, pelo que percebo, mostram que o mesmo apenas consegue trazer o assunto a tona ou então gerar humor entre os entendedores.


Mais uma vez temos elementos que são interpretáveis por si, sem a necessidade de um contexto. Aqui em especial temos um exemplo de um meme com uma capacidade de "vitralização" de lhe deu uma sobrevida absurda. O "Namorado Distraído" conecta imagem a palavra de acordo com a capacidade de interação das mesmas, mas acima de tudo, quando aplicamos em sala de aula, sua correlação com o assunto.

O meme, portanto, é um instrumento que exige do professor duas coisas: capacidade de se manter atento as mudanças presentes na linguagem da internet e, principalmente, criatividade.

De minha parte, uma dica, um meme só funciona de acordo com sua capacidade orgânica de "viralização". Ele pode ser sim uma chave de interpretação geral para um assunto, mas como é uma ferramenta usada quase que exclusivamente como alívio cômico, o condicionamento e exposição faz com que os interlocutores primeiro busquem esse lado do meme, depois sua mensagem em si.

Um meme pode sair pela culatra.

O Trump venceu as eleições de 2016 por causa de um movimento orgânico de memes contra a Hillary Clinton e a favor dele. Ele nem precisou criar ou fomentar, a própria internet tomou as rédeas... Bem, mas essa é uma outra história.

https://www.sciencefriday.com/articles/the-origin-of-the-word-meme/

https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2019/01/noam-chomsky-entenda-sua-teoria-linguistica-e-seu-pensamento-politico.html

https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/periferia/article/view/36442/28114

https://doity.com.br/media/doity/submissoes/artigo-c9749c47e6217b7e6f2f6260d5ec5561022e0ff5-arquivo.pdf

https://www.institutonetclaroembratel.org.br/educacao/nossas-novidades/reportagens/memes-ajudam-a-desenvolver-interpretacao-de-texto-e-pensamento-critico/

https://porvir.org/sucesso-nas-redes-sociais-memes-tambem-podem-ensinar/

https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/periferia/article/view/37016/28115




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