O Ofício do Professor


*Toca introdução de Viva La Vida*

A Associação de Professores do Paraná, a APP, lançou um novo indicativo de greve para próxima 2ª Feira... E sim, já tem gente reclamando de que professor "só sabe fazer greve", que "deveriam estar agradecidos por terem emprego em uma situação como essa em que o país se encontra", que "professor só quer direito, mas nenhuma obrigação".

Bem, eu vou me abster de de comentar sobre o assunto e vamos passar para o cerne da questão: quanto vale um professor? E eu não estou falando quantitativamente, nem de salários. Não agora.


Foi em 15 de Outubro de 1827 que o então Imperador do Brasil, Dom Pedro I, decretou que "todas as cidades, vilas e lugarejos" deveriam ter escolas. Hoje, de forma simplificada e até desmistificada pelo passar do tempo, conhecemos o dia como "Dia do Professor".


O Brasil é o país que menos valoriza o trabalho do professor. Sinceramente não tem muito o que apresentar aqui, as estatísticas mostram que menos de 1 em cada 10 brasileiros respeitam o educador em sala de aula.

A pesquisa também mostra que há pouca compreensão do trabalho e da remuneração dos professores. Enquanto os entrevistados acreditam que os docentes trabalham, em média, 39,2 horas por semana, os profissionais relatam 47,7 horas dedicadas semanalmente ao ofício de ensinar – quase 20% a mais. Por outro lado, as pessoas estimam que os professores têm salário médio inicial de US$ 15 mil, enquanto, na verdade, a remuneração é de US$ 13 mil, em média. Há ainda a percepção de que os salários não sejam justos: os brasileiros defendem que um docente em início de carreira deva ganhar o equivalente a US$ 20 mil por ano – um aumento de US$ 7 mil.

O texto ainda apresenta uma discussão que é bem cara, relevante e real:

“Temos um modelo educacional marcado pelo modelo das escolas no início do século 20, com um desenho completamente diferente. As crianças recebiam as informações na escola, e, hoje, recebem milhares de informações fora da escola. Se você tem uma educação que não prioriza a interpretação, a reflexão, não é à toa que tenha uma campanha presidencial feita com Fake News. As crianças recebem essa montanha de informações, do YouTube, WhatsApp... E quando chegam na escola, ela ainda é analógica. Os professores escrevem no quadro e as crianças copiam. É um livro em texto, ainda monodimensional, sendo que as crianças enxergam tudo de forma multidimensional. O professor foi formado para trabalhar dessa maneira tradicional, arcaica, obsoleta. Muitas vezes ele sente que tem que mudar, mas não tem a formação para mudar”, explica Pilar.

No artigo "Formação de Professores no Brasil: Características e Problemas", de Bernadette A. Gatti, apresenta um quadro geral do processo de formação de professores. Esse é um assunto que atualmente "caiu na boca do povo" e vem sendo discutido para além das instâncias acadêmicas. No entanto,

"No estudo de Gatti e Barreto (2009), em que se toma por base o questionário socioeconômico do Exame Nacional de Cursos (ENADE, 2005), abrangendo 137.001 sujeitos, mostra-se que, quando os alunos das licenciaturas são indagados sobre a principal razão que os levou a optar pela licenciatura, 65,1% dos alunos de Pedagogia atribuem a escolha ao fato de querer ser professor, ao passo que esse percentual cai para aproximadamente a metade entre os demais licenciandos." 
Unindo falta de motivação, com escolhas profissionais equivocadas, junto de uma formação limitada, incapaz de ser suficiente para enfrentar as novas dinâmicas sociais, o educador se constitui e é constituído sob um deficit que só cresce. Ainda nem falamos das parcas condições de trabalho apresentadas no Brasil contemporâneo.

As questões sociais presentes no Brasil são lugar comum para as experiências de docentes de todo país. Quem nunca teve de lidar com um aluno que sofreu algum tipo de abuso ou violência em casa? Que não comeu e que não irá comer nada além da merenda escolar? Que passa frio? Que falta porque tem que trabalhar? Que cuidar de algum parente enfermo? Que falta por medo da violência, seja urbana, seja na própria casa?


Imagine uma sala de aula, agora insira 35 pessoas, sejam crianças ou adolescentes, todos com níveis totalmente diferentes de interesse na aula e no conteúdo. Agora insira atenuantes como calor, frio, chuva (goteiras), barulho externo, falta de luz, de papel higiênico, de absorventes... A escola pública no Brasil passa por tudo isso.

Eu estudei em escolas particulares por toda minha vida. Tudo graças aos esforços de meus pais para me manter longe do sofrimento da rede pública de ensino. Minha mãe, no caso, não estava preocupada com a qualidade das aulas, ela era uma das educadoras, a preocupação dela era a clara insalubridade que permeia o dia a dia de uma escola pública brasileira.

Guilherme Leonardo Freitas Silva sintetiza em seu artigo, "As Condições do Trabalho Docente dos Professores das Escolas Públicas de Ponta Grossa - PR",
A desvalorização profissional, baixa auto-estima e ausência de resultados percebidos no trabalho docente são fatores importantes a serem investigados no âmbito do profissional em educação. Além disso, existem queixas muito freqüentes relacionadas à saúde dos docentes como distúrbios psíquicos, associada ao trabalho repetitivo, insatisfação no desempenho das atividades, ambiente intranquilo e estressante, desgaste na relação professor-aluno, falta de autonomia no planejamento das atividades, ritmo acelerado de trabalho e à pressão da direção. Os professores nas escolas inventam todo instante estratégias e saídas para driblar suas dificuldades cotidianas deficitárias de trabalho. Diversos estudos realizados em Hong Kong nos últimos anos têm mostrado que ensinar é altamente estressante. Cerca de um terço dos professores pesquisados apresentavam sinais de estresses e burnout, entre os principais problemas de saúde. 
Até mesmo em instituições privadas o desgaste do professor é real. Tendo em vista a desvalorização da classe, o salário de um professor de rede particular pode ser inferior ao salário mínimo já boa parte dessas relações trabalhistas não configuram regimes de 40 horas semanais (na realidade, pode ser bem mais que isso, mas o salário do professor nunca é sobre o trabalhado extra ou em casa, mas aquele conferido na escola).

Por sua vez, o artigo "O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde", de Sandra Maria Gasparini et al, nos ajuda a complementar a discussão,
Embora o sucesso da educação dependa do perfil do professor, a administração escolar não fornece os meios pedagógicos necessários à realização das tarefas, cada vez mais complexas. Os professores são compelidos a buscar, então, por seus próprios meios, formas de requalificação que se traduzem em aumento não reconhecido e não remunerado da jornada de trabalho (Teixeira, 2001; Barreto e Leher, 2003; Oliveira, 2003).
É pertinente defender que o sistema escolar transfere ao profissional a responsabilidade de cobrir as lacunas existentes na instituição, a qual estabelece mecanismos rígidos e redundantes de avaliação e contrata um efetivo insuficiente, entre outros. A título de exemplo, em 2002, o IV Congresso Nacional de Educação registrou o déficit nacional de professores em educação básica no Brasil, pois eram necessários mais 836 731 para a educação infantil, 167 706 para o ensino fundamental e 215 mil para o ensino médio (Souza et al., 2003). Os dados do Ministério da Educação, já em 2004, esclarecem que, somente no ensino médio, faltam na rede, para citar apenas um dos casos de insuficiência de efetivo, 23,5 mil professores de física (MEC/INEP, 2004).
Os problemas que permeiam a atividade docente são, para dizer o mínimo, vastos. O educador se vê cercado de empecilhos, dificuldades, desmotivações...


Perspectivas...? Sinceramente eu não sei. Ser professor, para mim, é tanto um chamado quanto uma profissão. A melhor forma de exemplificar é o ofício do médico. Apesar das exceções, ninguém se torna médico sem se importar com a vida humana. É uma profissão que divide espaço com um "chamado". Educar, no Brasil, é um exercício constante de abnegação, no então não é como se eu acreditasse que isso é saudável, não é. Professor, apesar da expressão popular, não "dá aula", nós vendemos. Buscamos recompensa salarial depois de anos de estudo.

A greve, por sua vez, é só um dos artifícios que encontramos para nos fazer ouvir... Mas essa é outra história...

http://www.scielo.br/pdf/es/v31n113/16.pdf
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/education/educational-management/teacher-education-and-training/
https://educador.brasilescola.uol.com.br/orientacoes/formacao-professor.htm
https://rd1.com.br/faculdade-pede-desculpas-apos-propaganda-polemica-com-luciano-huck/
https://www.lfg.com.br/conteudos/curiosidades/geral/dia-do-professor-da-regulamentacao-da-profissao-ao-reconhecimento
https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/pesquisa-mostra-que-49-dos-professores-nao-recomendam-profissao-22823861
https://educador.brasilescola.uol.com.br/trabalho-docente/a-situacao-professor-brasileiro.htm
https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2008/495_536.pdf
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022005000200003
https://g1.globo.com/educacao/noticia/2018/11/08/brasil-cai-para-ultimo-lugar-no-ranking-de-status-do-professor.ghtml?fbclid=IwAR0kkrH1w6m2ckHVdsfyZE8ibNkmkicNi6D4QoP5jL_UlIPZZa2qPN4N7UQ
https://appsindicato.org.br/suicidio-de-professoresas-no-parana-aumenta-15-vezes-em-cinco-anos/


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